Revista Brasileira de Cineantropometria & Desempenho Humano Artigo original ISSN 1980-0037 Saray Giovana dos Santos1 Tatiane Piucco2 Diogo Cunha dos Reis1 FATORES QUE INTERFEREM NAS LESÕES DE ATLETAS AMADORES DE VOLEIBOL FACTORS AFFECTING INJURIES TO AMATEUR VOLLEYBALL PLAYERS VOLLEYBALL ATHLETES Resumo Este estudo diagnóstico teve como objetivo avaliar o número de repetições de impacto por treino, em atletas de duas equipes amadoras de voleibol, realizando cortadas e bloqueios, bem como relacionar o número de impactos com o número de lesões sofridas pelos mesmos nos últimos dois anos. Participaram do estudo 24 atletas titulares, sendo 12 da equipe feminina e 12 da equipe masculina de voleibol da Universidade Federal de Santa Catarina, escolhidas de forma intencional. Como instrumento de medida, foi utilizado um questionário, uma filmadora e fichas de avaliação de escalte técnico. Os dados foram coletados no local de prática e tratados mediante a estatística descritiva em termos de média, desvio padrão e freqüência simples e com a estatística inferencial, por meio da correlação de Pearson e teste “t” de Student, ambos a p≤0,05. Os resultados obtidos permitem concluir que as equipes apresentam tempo de prática e características de treino similares em termos de duração e freqüência; o tornozelo foi o local mais afetado por lesões e os bloqueios foram os mecanismos mais causadores de lesões para ambas as equipes; a maioria dos atletas usa equipamentos de proteção e a grande maioria, após lesionada, fez fisioterapia; o número de impactos por treino, incluindo saltos de cortadas e bloqueios, é pouco quando comparado com equipes de alto nível; parece que o número de impactos não interferiu no número de lesões nas duas equipes; as duas equipes não diferem tanto no número de lesões quanto no número de impactos por treino. Palavras-chave: Lesões esportivas; Atletlas; Esportes. Rev. Bras.Cineantropom. Desempenho Hum. 2007;9(2)189-195 Abstract The objective of this diagnostic study was to evaluate the number of impacts per training session undergone by two amateur volleyball teams while performing spikes and blocks, and to relate the number of impacts to the number of injuries they suffered over the previous two years. The study recruited 24 athletes from the Universidade Federal de Santa Catarina first teams, 12 from the men’s and 12 from the women’s volleyball teams, sampled intentionally. Data were collected using a questionnaire, a video camera and assessment sheets filled out by a talent scout. Data were collected at the practice ground and presented in the form of descriptive statistics in means, standard deviations and simple frequencies and inferential statistics were applied in the form of Pearson’s correlation and Student’s t test, both to p≤0.05. The results allowed for the conclusions that both teams exhibited similar duration of practice and that their training characteristics were similar in terms of duration and frequency. The ankles were most often affected by injuries and blocks were the most common causative mechanisms of injuries in both teams. The majority of athletes use protective equipment and the great majority underwent physiotherapy once injured. The number of impacts per training session, including spike and block jumps, was low when compared with high level teams. It appears that the number of impacts did not affect the number of injuries in either team. The two teams did not differ either in terms of the number of injuries or the number of impacts per training session. Key-words: Athletic injuries; Athletes; Sports. 1 2 Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC. Departamento de Educação Física Laboratório de Biomecânica. Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - PIBIC/UFSC – CNPq 190 Santos et al. Rev. Bras.Cineantropom. Desempenho Hum. 2007;9(2)189-195 INTRODUÇÃO Mesmo que ainda não se tenha o entendimento completo sobre as causas e a natureza dos danos relacionados à prática de esportes, a crença de que a exposição repetitiva aos impactos pode induzir ao dano tem indicado um considerável interesse por parte de pesquisadores em biomecânica do esporte, como Valiant e Cavanagh1; Gerberich et al.2; Stacoff et al.3; Santos4; Gottschall e Kram5 , entre outros. Os esportes que contém fundamentos que exigem impactos (voleibol, basquetebol, ginástica olímpica, judô, dentre outros) são aqueles cujos praticantes estão mais suscetíveis a lesões, decorrentes tanto da repetitividade do movimento quanto das colisões resultantes das ações motoras. No basquetebol, segundo Hagedorn et al.6 cada jogador faz de dois a três saltos verticais, com esforço máximo por minuto efetivo do jogo, correspondente de 80 a 100 saltos por partida; no judô, de acordo com o estudo de Santos et al.7, os judocas amadores realizam, em média, 74 quedas por treino com duração de 1,30 horas. Estudos realizados mostram que, no jogo de voleibol, 50 a 60% das ações motoras são constituídas pelos saltos, sendo que destes, em torno de 200, são compostas por cortadas e bloqueios8. Iglesias9, durante a final da Liga Mundial de 1992, entre Itália e Cuba, identificou que 60% das ações no jogo de voleibol eram constituídas pelos saltos, e que os levantadores efetuaram 269 saltos, os atletas de meio 223, os ponteiros da saída de rede 197 saltos e os ponteiros da entrada de rede executaram 128 saltos, realizando uma média de 194 saltos durante a final. No que concerne às lesões, em esportes que envolvem saltos, as lesões de tornozelo correspondem de 15% a 45% entre todas as lesões e são responsáveis por 25% do afastamento de atletas de suas atividades 10, 11 . Na modalidade voleibol, a incidência de lesão no tornozelo está entre 1,7 e 4,2 lesões por 1000 horas de jogo; no basquetebol, 21% a 53% das lesões são entorses no tornozelo, e no futebol 17% a 29% 10. Segundo Oliveira12, os saltos de uma maneira geral, incluindo ataques, bloqueios e saques, são os maiores esforços do voleibol. Tillman et al.13 investigaram os jogos da 1ª divisão do voleibol americano feminino, constatando que as 10 melhores equipes, em 13 jogos, praticaram 593 saltos, proporcionando risco de lesão por causa dos excessivos saltos. Em um estudo realizado na 3ª Copa da Federação Internacional de Voleibol, em 1987, entre seleções masculinas, Eom e Schutz14 observaram que em 72 jogos aconteceram 163 ataques, sendo que os fundamentos mais efetuados pelos vencedores foram os ataques e os bloqueios. Rodacki et al.15, durante partidas de voleibol em atletas infanto-juvenis (até 16 anos) do sexo masculino, constataram que os levantadores efetuaram 21 saltos por set e os atacantes 32 saltos por set. Durante a final, os autores encontraram os seguintes valores de saltos: 64,5±24,1 para os levantadores, 47,0±28,0 para os jogadores de meio e 31,4±19,9 para os atletas de ponta. Assim sendo, com o intuito de investigar a relação entre o número de lesões com a repetitividade de saltos de atletas de voleibol, de duas equipes amadoras, uma feminina e outra masculina, é que se definiram as seguintes questões a investigar: - Quantas e em que local os atletas foram acometidos por lesões nos últimos dois anos? - Será que os atletas utilizam equipamento de proteção e realizam algum tratamento para as lesões acometidas? - Qual a repetitividade de impactos (cortadas e bloqueios) realizadas por treino por atleta? - Qual a relação entre o número de impactos com o número de lesões ocorridas com os atletas? - Será que existe diferença entre o número de lesões e o número de impactos entre as equipes? Com a finalidade de responder as questões do estudo, de forma geral objetivou-se avaliar o número de repetições de impactos por treino, em atletas de uma equipe amadora de voleibol masculino e uma de voleibol feminino, realizando cortadas e bloqueios, relacionando-as com o número de lesões sofridas pelos mesmos. Mais especificamente objetivou-se: - Identificar o perfil dos atletas quanto à idade, à estatura, ao peso, ao tempo de prática e as atividades realizadas que interferem na prática de voleibol dos atletas; - Verificar o número e o local de lesões ocorridas com os atletas, nos últimos dois anos, bem como o mecanismo gerador, segundo a percepção dos mesmos; - Identificar o tratamento realizado para a recuperação de lesões e o tipo de indumentária preventiva utilizada; - Identificar o número de cortadas e bloqueios realizados por atleta a cada treino, assim como o intervalo entre os eventos; - Relacionar e comparar o número de impacto com o número de lesões ocorridas entre as equipes. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Este estudo quantitativo descritivo foi realizado em duas etapas. Na primeira, foi investigado por meio de um questionário o perfil dos atletas assim como o histórico de lesões dos mesmos nos últimos dois anos. Na segunda etapa, foram efetuadas filmagens de sessões de treinamentos para caracterizar o número de impactos realizados por atleta por treino, bem como o intervalo de tempo entre os mesmos. Fizeram parte do estudo 12 atletas titulares de uma equipe feminina e 12 atletas de uma equipe masculina de voleibol amador da Universidade Federal de Santa Catarina, escolhidas de forma intencional. Como instrumentos de medidas, conforme as etapas da pesquisa foram utilizados: 1 - Questionário: foi construído um questionário, submetido a um processo de validação com três professores doutores, para investigar o perfil e o histórico de lesões das atletas, o qual continha 191 Fatores que interferem nas lesões questões abertas (07), fechadas (03) e mistas (11), obteve um índice de 93%, e a clareza testada por três atletas obtendo um índice de 100% (anexo). 2- Filmadora: os treinamentos foram filmados com uma filmadora compacta, Panasonic, com capacidade de 60 quadros por minuto, para diagnosticar o número, a freqüência, o intervalo de repetições de cortadas e bloqueios de cada atleta, por treino. 3- Fichas de avaliação: foi elaborada uma ficha de escalte técnico para o registro da freqüência, duração, número e intervalo de repetições de cortadas e bloqueios realizados a partir da análise das imagens registradas durantes as sessões de treino. A partir do atendimento das exigências legais conforme o que dispõem as Resoluções 196 e 251, de 07/08/97 do Conselho Nacional da Saúde (análise do Comitê de Ética da Universidade Federal de Santa Catarina – Processo 209/03 aprovado em 06/10/2003), bem como a assinatura das atletas em um consentimento informado, os dados foram coletados, de acordo com as especificidades, da seguinte forma: o preenchimento do questionário foi realizado pelos atletas no local de prática; as filmagens foram realizadas em três sessões de treinamento de cada equipe em um período pré-competitivo, sendo que a câmera foi fixada em um local que permitia a visualização de toda a equipe na quadra, estando os atletas identificados por numeração. Os dados foram tratados estatisticamente, segundo o nível de mensuração das variáveis e o tipo de amostragem, conforme os objetivos específicos, a seguir: para analisar as características dos atletas, o histórico de lesões, o número de cortadas e bloqueios realizados por atleta a cada treino, bem como o intervalo entre os eventos foi utilizado freqüência simples, média e desvio padrão; para relacionar o número de lesões com o número de impactos utilizou-se a correlação de Pearson, para comparar o número de impactos entre as equipes, utilizou-se o teste “t” de Student, para amostras independentes dados pareados, ambos os testes a p≤ 0,05. RESULTADOS Para melhor entendimento, os resultados serão apresentados conforme os objetivos específicos do estudo. O primeiro objetivo específico foi identificar o perfil dos atletas quanto à idade, à estatura, ao peso, ao tempo de prática e às atividades realizadas que interferem na prática dos atletas. Os dados referentes à idade, à estatura, ao peso e ao tempo de prática estão apresentados na Tabela 1. Conforme a Tabela 1, verifica-se que tanto a equipe feminina quanto a equipe masculina possui característica com pouca variação na idade e tempo de prática, porém média variabilidade na massa e na estatura. Além do tempo de prática na modalidade, os atletas foram questionados quanto ao tempo de prática nas dependências da UFSC. As atletas treinam em média há 24,7+13,8 meses, com um tempo diário de treinamento de 2 horas e meia, duas vezes por semana, e os atletas há 24,5±12,5 meses, com tempo de treinamento diário de 2 horas, também duas vezes por semana. Tabela 1. Características antropométricas e de tempo de prática das equipes masculina e feminina de voleibol da UFSC. Variáveis Feminina ( x s) Masculina ( x s) 21+3,5 23,8±2,9 Idade (anos) Estatura (cm) 169,3+6,7 186,2±3,6 Massa (Kg) 63,4+7,7 82,9±9,9 Tempo de prática (anos) 7,4 ± 3,6 7,7±3,9 Para melhor caracterizar os grupos, questionouse sobre o treinamento complementar, sendo que da equipe feminina, quatro praticam musculação; quatro realizam condicionamento físico; três realizam caminhadas; duas realizam treinamento de flexibilidade e uma realiza trabalho preventivo. Por outro lado, cinco atletas afirmaram não realizar outro tipo de treinamento. Quanto à equipe masculina, cinco realizam condicionamento físico; dois musculação, e outros dois trabalho preventivo, flexibilidade e corrida. Também cinco atletas afirmaram não realizar qualquer tipo de trabalho complementar. O segundo objetivo do estudo foi verificar o número e o local de lesões (Tabela 2) ocorridas com os atletas, nos últimos dois anos, bem como o mecanismo gerador, segundo a percepção dos mesmos (Tabela 3). Na Tabela 2, verifica-se que tanto para as atletas da equipe feminina (20/34) quanto para os atletas da equipe masculina (22/54), o segmento tornozelo foi o mais acometido de lesões, seguido do joelho (5/34) para as meninas e ombro (8/54) e joelho (8/54) para os meninos. Inerente ao segundo objetivo específ ic o questionou-se aos atletas sobre os mecanismos causadores de lesões, cujos dados estão apresentados na Tabela 3. Tabela 2. Número e local de lesões sofridas pelos atletas das equipes masculina e feminina da UFSC nos últimos dois anos. Segmento Corporal acometido de lesão No de Lesões da Equipe Feminina No de Lesões da Equipe Masculina Tornozelo 20 22 Ombro 3 8 Joelho 5 8 Cotovelo 1 3 Punho 2 6 Mão 2 2 Lombar 1 5 TOTAL 34 54 192 Santos et al. (10/12) também usa o mesmo tênis tanto para treino quanto para jogo e o mais utilizado e preferido pelos jogadores foram: Olympikus  (5/12); seguida do Reebok (3/12); Adidas (2/12); Rainha (1/12) e Nike  (1/12). A Olympikus pode ter sido citada como a marca mais utilizada e preferida devido ao forte marketing da marca ligado ao voleibol, além do preço ser um pouco mais acessível quando comparado aos seus concorrentes. Com relação ao tratamento utilizado após uma lesão, sete das atletas responderam ter feito fisioterapia e cinco disseram ter realizado consulta médica, destas, três utilizaram medicamentos, uma necessitou de procedimento cirúrgico e uma não realizou nenhum tipo de tratamento. Da equipe masculina, todos responderam ter feito fisioterapia sendo que sete utilizaram medicamentos; um atleta procurou os recursos de massagem, e um outro necessitou de procedimento cirúrgico. O quarto objetivo foi identificar o número de cortadas e bloqueios realizados por atletas a cada treino específico de voleibol, assim como o tempo de intervalo entre os impactos. Para tal, foram filmadas três sessões de treinamento em ambas as equipes, perfazendo um total de 7 horas (410 min) de treino por equipe. Quanto a equipe feminina, foram registrados um total de 1734 saltos realizados entre ataque e bloqueio, já a equipe masculina realizou um total de 1994 saltos. Com relação ao número de saltos e tempo de intervalo entre os mesmos realizados pelas atletas a cada treino específico, verifica-se na Tabela 4, média de 26 saltos por atleta nos dois fundamentos, com intervalo de tempo médio de 67 segundos no ataque e 33 segundos no bloqueio. Já a equipe masculina realizou uma de média 22 e 26 saltos por atleta no ataque e no bloqueio, respectivamente, com intervalo de tempo médio de 79 segundos no ataque e 18 segundos no bloqueio. O quinto e último objetivo foi relacionar o número dos impactos com o número de lesões dos atletas das duas equipes de voleibol, bem como comparar o número de lesões e o número de impactos entre as duas equipes. Para verificar a correlação entre número de Mecanismo No de Lesões da Equipe Feminina No de Lesões da Equipe Masculina Bloqueio 16 21 Cortada 10 12 Manchete 4 8 Saque 3 9 Toque 2 4 TOTAL 34 54 Apenas o bloqueio (16/34 – feminino e 21/54 masculino) e a cortada (10/34 – feminino e 12/54 masculino) juntos representaram mais do que o dobro dos outros mecanismos de lesão, nas duas equipes. Ao serem questionadas sobre a existência de lesões crônicas, apenas uma atleta informou ter tendinite patelar e outra desalinhamento patelar. Quanto aos atletas, três afirmaram ter problemas de instabilidade articular; dois tendinite biceptal; dois síndrome de impacto; dois lesão crônica no ombro; um bursite, e um cisto no ombro. O terceiro objetivo específico foi identificar o tratamento realizado para a recuperação de lesões e o tipo de indumentária preventiva utilizada. Em relação à indumentária preventiva ou equipamentos de proteção individual (EPI), três das 12 atletas não utilizam, enquanto que três utilizam tornozeleiras, seis joelheiras e uma usa munhequeira. Dos atletas, cinco usam joelheiras, quatro usam estabilizador/tensor; três utilizam munhequeira e dois tornozeleiras. Alguns dos atletas utilizam mais de um equipamento de proteção individual. Outro equipamento importante de proteção é o calçado esportivo. A maioria das atletas (10) afirmou utilizar o mesmo tênis de treinamento no jogo, enquanto que 2 possuem tênis diferenciado. Apenas quatro das atletas utilizam tênis específico de voleibol, sendo o tênis mais utilizado e preferido pelas jogadoras foi: Olympikus  (5/12); Nike  (4/12); Mizuno  (1/12); Reebok (1/12); Adidas (1/12) e uma das entrevistadas afirmou não ter tênis de preferência. Quanto à equipe masculina, a metade utiliza tênis específico e a maioria Tabela 4. Número de saltos e tempo de intervalo entre os mesmos realizados por treino pelas equipes de Voleibol da UFSC. Feminina Equipe Masculina Rev. Bras.Cineantropom. Desempenho Hum. 2007;9(2)189-195 Tabela 3. Mecanismos causadores das lesões nos atletas das equipes de Voleibol da UFSC Fundamentos _ x S Min. Máx. Ataque 26 4,7 15 31 Tempo (s) 67 71 04 264 Bloqueio 26 5 18 32 Tempo (s) 33 100 03 320 Ataque 22 12 7 48 Tempo (s) 79 145 04 255 Bloqueio 26 15 08 80 Tempo (s) 18 137 07 387 Fatores que interferem nas lesões impactos com número de lesões, somaram-se os saltos (cortadas e bloqueios) e o número de lesões acometidas nos membros inferiores de cada atleta, aplicando-se a correlação de Pearson. Deste modo, tanto para a equipe feminina (rc=0,38; p=0,22) quanto para a equipe masculina (rc=0,49; p=0,10) não se encontrou relação significativa entre as variáveis. Para comparar o número de lesões e o número dos impactos entre as equipes, utilizou-se o teste “t” de Student para amostras independentes dados pareados, cujos resultados apontam que não existe diferença significativa tanto entre o número de lesões percebidas pelos atletas das duas equipes nos últimos dois anos (tc=1,86; p=0,076) quanto entre o número de impactos realizados pelos atletas em três treinos (tc=1,34;p=0,197). DISCUSSÃO No que concerne ao perfil dos atletas (Tabela 1), as características de idade e de tempo de prática tanto da equipe masculina quanto da feminina, ratifica o perfil de uma equipe amadora. Em termos de estatura, mesmo sendo equipes amadoras e ainda não apresentam representatividade no Estado, a média de estatura dos atletas da equipe masculina é condizente com atletas desta modalidade, haja vista que os atletas costumam ter entre 180 e 200 cm16. Além das características enfatizadas, as equipes apresentam debilidade na quantidade de treinamento semanal, além de poucas atividades destinadas a prevenção de lesões e a melhora do condicionamento físico, haja vista que quase a metade (10/24) dos atletas estudados não se preocupa com a realização de atividades preventivas de lesões e nem com atividades complementares para a melhoria do condicionamento físico. Este último achado demonstra que os atletas estão mais propensos a lesões, haja vista as considerações de Horta16 ao enfatizar a importância de trabalho compensatório na prevenção de lesões. Nesse sentido, seria importante a realização de exames e testes preventivos, assim como trabalho físico compensatório, atuando no sentido de minimizar os efeitos acumulativos do treinamento. Quanto a incidência e ao local de lesões ocorridas com os atletas, nos últimos dois anos, segundo a percepção dos mesmos, os dados obtidos vão ao encontro a outros estudos como o de Agaard et al.17, Solgard et al.18, Willian e Benjamim19 e de Ferreti20, que encontraram lesões no tornozelo como a mais comum entre os atletas de vôlei por eles pesquisados, seguidos de lesões na mão e joelho, e ainda bastante comuns lesões no ombro, punho e região lombar. No que diz respeito ao mecanismo gerador de lesões (Tabela 3), o bloqueio e a cortada juntos representaram mais do que o dobro dos outros mecanismos de lesão nas duas equipes, assim como as lesões nos tornozelos foram as mais ocorridas. Este fato pode ser justificado devido ao movimento efetuado no momento do bloqueio, quando no retorno do salto na 193 quadra, o atleta acaba pisando no pé do oponente, fato que acontece principalmente na linha central, levando o tornozelo a uma supinação forçada. Ocorre uma pequena predominância das lesões no lado dominante, devido ao trabalho unilateral realizado em treinamento e em jogo, principalmente no saque e cortada, movimentos que demandam muito da capacidade física, causando desgaste às estruturas corporais. Neste sentido seria interessante a realização de trabalho compensatório de assimetria, pouco valorizado pela maioria dos treinadores e atletas. Estudos como os de Watkins e Green21, Agaard et al.22 e Santos et al.23, também apontam os fundamentos de bloqueio e cortada como os principais mecanismos causadores de lesões no voleibol. Solgard et al.18 constataram que a aterrissagem no salto é a fonte mais comum de lesões no voleibol, sendo que a maioria (90%) das lesões apontadas no estudo, aconteceu nas extremidades inferiores, com a articulação do joelho sendo particularmente vulnerável. As lesões no joelho são especialmente importantes porque elas estão associadas à maioria do tempo de afastamento dos atletas da participação em jogos. Mesmo não sendo a realidade deste estudo, haja vista as duas equipes serem amadoras, segundo Salci et al.24, as mulheres são mais suscetíveis a sofrerem uma lesão no ligamento cruzado anterior do que os homens, chegando a lesionar dois a oito vezes mais freqüentemente que os homens, com o risco de lesões aumentado com a participação no basquetebol, futebol e voleibol. No que concerne às lesões crônicas, mesmo sendo equipes amadoras, a metade do grupo já apresenta pelo menos uma lesão crônica, e estas por sua vez, acontecem principalmente pela contínua repetição de determinados movimentos, causando estresse na estrutura e desenvolvendo uma diminuição de sua capacidade19. Os dados obtidos apontam para a necessidade de um trabalho físico de fortalecimento muscular, principalmente do lado corporal menos solicitado, assim como o aprimoramento técnico dos gestos para as aterrissagens provenientes dos fundamentos com saltos. Com relação ao tipo de indumentária preventiva e ao tratamento realizado para a recuperação de lesões, pode-se considerar que grande parte dos atletas utiliza equipamento preventivo do tipo joelheira, estabilizador e tornozeleira, porém não utiliza calçado adequado. Este fato poderá acarretar em maior acometimento de lesões nos membros inferiores, principalmente porque treinam em piso de cimento. Com relação ao tratamento adequado, grande parte apontou pelo uso de fisioterapia. Devido à taxa de participação global e a incidência relativamente alta de lesões no voleibol quando comparado com esportes de contato de alta intensidade, são de extrema importância as medidas preventivas no voleibol25. O uso de um calçado adequado, com palmilha, costuras, sola e entre sola de boa qualidade, materiais com capacidade de absorção de impactos e com respostas mecânicas ideais podem diminuir a incidência de lesões, principalmente às crônicas 26. Rev. Bras.Cineantropom. Desempenho Hum. 2007;9(2)189-195 194 Santos et al. Este cuidado pode evitar micro-traumatismos, fascítes plantares, dores nos calcanhares, tendinite no tendão calcâneo e patelar16. No que concerne ao número de cortadas e bloqueios realizados por atletas a cada treino, assim como o tempo de intervalo entre os impactos, os resultados (Tabela 4) apontam que mesmo sendo em situação de treinos, os atletas participantes deste estudo realizam menos saltos tanto para bloqueio quanto para cortada, quando se utiliza como parâmetro equipes de alto nível, como os dados citados por Rodacki et al.15. Quando o tema é impacto, a preocupação maior é com os atletas atacantes. Porém, detectou-se um elevado número de saltos realizados pela levantadora em um dos treinos (127 saltos). Este número vai ao encontro dos achados de Monteiro et al.27, Iglesias9 e Rodacki et al.15 ao demonstrarem que as levantadoras apresentam um maior número de saltos verticais, já que o mesmo é uma ação especifica da posição, sendo realizada preferencialmente em suspensão. Muito embora estudos10, 13 apontem a repetitividade de prática como fator de lesões em atletas, não se tem pressuposto para afirmar qual o número de saltos e qual o tempo de intervalo entre os diferentes saltos, são suficientes para a reposição dos componentes inerentes aos biomateriais. Mesmo assim, vale ressaltar que Santos et al.23 ao medirem as magnitudes dos impactos nos joelhos de atletas de voleibol, ao realizarem cortadas, encontraram valores médios de 44,88g no eixo x (vertical); 39,93g no eixo y (lateral) e 87,88g no eixo z (antero-posterior). Ainda, partindo do pressuposto que um atleta de voleibol com massa de 60 Kg, com variação do deslocamento vertical do centro de massa de 0,4m, com uma velocidade de 2,8 m/s, ele estará submetendo o seu tornozelo a uma força de impacto de aproximadamente 1784,37N calculada pela fórmula: Fr=Fy/sen(α), sendo α o menor ângulo entre o pé e a tíbia e Fy a força exercida no eixo vertical. Já o grupo muscular dos quadríceps estará recebendo uma carga de aproximadamente 2303,097N calculada pela fórmula: Fq.rq.sen(β)=Fx.r fx.sen(α), sendo Fq a força do quadríceps, rq a resultante da força do quadríceps, sen (β) o ângulo entre o eixo x e o eixo do quadríceps, Fx a força exercida no eixo antero-posterior e r fx a força resultante de x. Deste modo, com base nos valores das magnitudes dos impactos, assim como nos cálculos analíticos das cargas que são submetidas tanto a tíbia quanto o grupo do músculo quadríceps, um atleta que realiza em média 22 saltos de ataques e 26 de bloqueios por treino, com intervalo de tempo entre os saltos em média de 39s, treinando duas vezes por semana, realizará em torno de 300 saltos por mês, resultando em sobrecargas significativas para os membros inferiores, fato este que pode justificar o acometimento de lesões em atletas de voleibol. Assim, vale ressaltar que os treinadores devem atentar para a especificidade da modalidade no sentido de propiciar melhores condições, principalmente relacionado ao condicionamento físico dos segmentos corporais mais solicitados, os quais conseqüentemente estão mais suscetíveis a lesões. Quanto ao objetivo de relacionar o número dos impactos com o número de lesões dos atletas das duas equipes de voleibol, a não relação entre as variáveis nas duas equipes, pode ser justificado tendo em vista que a detecção do número de lesões foi realizada mediante a percepção e lembrança dos atletas nos últimos dois anos, o que acarreta em provável esquecimento, haja vista que atletas tendem a habituar-se a dor e acabam esquecendo as dores advindas de lesões menos graves. Além disso, as equipes são amadoras e realizam um treino com características de freqüência, intensidade e duração heterogênea, não treinando durante períodos de intervalo entre os semestres. Da mesma forma, não se encontrou diferença significativa tanto entre o número de lesões percebidas pelos atletas das duas equipes nos últimos dois anos, quanto entre o número de impactos realizados pelos atletas em três treinos. Estes achados reforçam as características amadoras das duas equipes bem como a similaridade nas especificidades de treinamento dos fundamentos, principalmente no que concerne a freqüência e a duração. CONCLUSÃO Com base nos resultados obtidos e respeitando as limitações do estudo, conclui-se que: a) considerando a idade, a estatura, o peso, o tempo de prática e a falta de atividades complementares de treinamento, as equipes tanto masculina quanto feminina da UFSC podem ser caracterizadas como equipes de perfil amador; b) o segmento corporal mais afetado nas duas equipes foi o tornozelo, sendo 20 lesões para a equipe feminina e 22 para a equipe masculina, e o mecanismo gerador das lesões, segundo a percepção dos mesmos, refere-se aos bloqueios e às cortadas; c) grande parte dos atletas utiliza indumentária preventiva e quando lesionados se recuperam com fisioterapia; d) o número de impactos (cortadas e bloqueios) por treino é considerado pouco quando comparado a equipes de alto nível; no entanto, considerando as forças geradas no membros inferiores, pode ser que o tempo detectado entre os impactos possa não estar sendo suficiente para o reparo dos biomateriais solicitados; e) parece que o número de impactos aos quais se submetem os atletas não justifica o número de lesões acometidas pelos mesmos; f) as características de treinos quanto ao número de impactos realizados por fundamento de bloqueios e cortadas não foram diferentes entre as duas equipes. Muito embora os atletas da equipe feminina e da equipe masculina da USFC realizem um menor número Fatores que interferem nas lesões de impacto que equipes de alto nível e, mesmo não sendo estes impactos significativamente causadores de lesões, os dados apontam para a necessidade tanto de melhoria do treinamento físico quanto do nível técnico da equipe a fim de reduzir os efeitos das sobrecargas ao longo dos anos de treinamento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Valiant GA, Cavanagh PR. A study of landing from a jump: implications for the design of a basketball shoe. In: Winter DA, editors. Biomechanics IX-B, Champaign, Illinois: Human Kinetics; 1985. 2. Gerberich SG, Luhmann S, Finke C. Analysis of severe injuries associated with volleyball activities. The Psysian and Sportsmedicine. 1987;15(8):75-79. 3. Stacoff A, Denoth J, Kaelin X, Stuessi E. Running injuries and shoe construction: some possible relationships. Int J Sport Biom 1988;4:342-357. 4. Santos SG. Estudo das características de impacto e da percepção humana de conforto na prática de “ukemis” em diferentes tatames. [Tese Doutorado- Engenharia de Produção e Sistemas]. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina; 2003. 5. Gottschall JS, Kram R. Ground reaction forces during downhill and uphill running. J Biomech 2005;38:445–452. 6. Hagedorn G, Niedlich H, Schmidt G. Das basketballHandbuch. Reinbeck:Rowolth Verlag; 1996. 7. Santos SG, Duarte MFS, Melo SIL. Dor percebida pelo judoca na execução dos “ukemis”. Anais do III Congresso Brasileiro de Atividade Física & Saúde. Florianópolis; UFSC: 2001. p. 135. 8. Barbanti VJ. Treinamento Físico: bases científicas. São Paulo: CLR Balieiro; 1986. 9. Iglesias F. Analisis del esfuerzo en el voleibol. Stadium 1994;168(28):17- 23. 10. Silvestre MV, Lima WC. Importância do Treinamento Proprioceptivo na Reabilitação de Entorse de Tornozelo. Fisioter Mov 2003;16:27-33. 11. Zampiere C, Almeida GL. Instabilidade Funcional do Tornozelo: controle motor e aplicação fisioterapêutica. Rev Bras Fisioter 2003; 7:101-114. 12. Oliveira PR. Particularidades das ações motoras e características metabólicas dos esforços específicos do voleibol juvenil e infanto-juvenil feminino. Rev Fac Claretianas 1997;6:49-55. 13. Tillman MD, Hass CJ, Brunt HD, Bennett GR. Prevalence of jumping and landing techniques in volleyball: an analysis of elite female players. Anais do 25th Annual Meeting of the American Society of Biomechanics. Endereço para correspondência Saray Giovana dos Santos Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC Centro de Despostos – Departamento de Educação Física Programa de Pós-Graduação em Educação Física. 88040-900 – Florianópolis, SC. Brasil E-mail: saray@cds.ufsc.br 195 Portland; 2001. p.439 440. 14. Eom HJ, Schutz RW. Statistical analyses of volleyball team performance. Res Q Exerc Sport 1992;63(1):11-17. 15. Rodacki ALF, Bientinez RM, Cruz EA, Machado A, Santos A, et al. O número de saltos verticais realizados durante par tidas de voleibol como indicador da prescrição do treinamento. Rev Treinamento Desportivo 1997;2(1): 33-38. 16. Horta L. Prevenção de Lesões no Desporto. Lisboa: Caminho; 1995. 17. Aagaard H, Jorgensen U. Injuries in elite volleyball. Scand J Med Sci Sports 1996;6(4):228-32. 18. Solgard L, Nielsen AB, Moller-Madsen B, Jacobsen BW, Yde J, Jensen J. Volleyball injuries presenting in casualty: a prospective study. Br J Sports Med 1995;29(3):200-204. 19. Willian W, Benjamim J. Volleyball Injuries: managing acute and overuse disorders. The Psysian and Sportsmedicine 1999;27(3):1-8. 20. Ferretti A, Papendrea P, Conteduca F. Knee injuries in volleyball. Sports Med 1990;10:132–138. 21. Watkins J, Green BN. Volleyball injuries: a survey of injuries of Scottish National League male players. Br J Sports Med 1992;26:135–37. 22. Aagaard H, Scavenius M, Jorgensen U. An epidemiological analysis of the injury pattern in indoor and in beach volleyball. Int J Sports Med 1997;18(3):217-21. 23. Santos SG, Leite RM, Chagas L, Esteves AC. Características de impacto de membros inferiores e lesões em atletas de voleibol. Anais do VII Congresso Brasileiro de Biomecânica. João Pessoa; 2005. p. 1-6. 24. Salci Y, Kentel B, Heycan C, Akin S, Korkusuz F. Comparison of landing maneuvers between male and female college volleyball players. Clin Biomech 2004;19:622–628. 25. Verhagen EALM, Van der Beek AJ, Bouter LM, Bahr RM, Van Mechelen W. A one season prospective cohort study of volleyball injuries. Br J Sports Med 2004;38:477-481. 26. Zekhry D, Azevedo A, Lobo R, Wallerstein L, Bianco R, Amadio AC, et al. Conseqüências do uso de um calçado esportivo falsificado em variáveis dinâmicas selecionadas. Anais do XXVII Simpósio Internacional de Ciências do Esporte. São Caetano do Sul: 2004. p.10 15. 27. Monteiro JC, Costa A , Silva RG, Moutinho C. Quantificação e caracterização dos deslocamentos do jogador distribuidor presente no campeonato do mundo da juventude em voleibol. In: Bento J, Marques A, editores. A Ciência do Desporto a Cultura e o Homem. Porto: Universidade do Porto; 1993. Recebido em 13/11/06 Revisado em 15/01/07 Aprovado em 06/02/07